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[Fotografia de TR]
O marmoreado corpo do Quim, estendido nas lajes a apanhar os intermitentes riscos de luz que os vidros coavam, a água da piscina parada, as bóias cor de tijolo atrás dos cinco púlpitos das pistas olímpicas, os calções com o atilho enlaçado a desenharem um triângulo liso e húmido, transparente, conspurcado.
Desenhou um quarto de Lua no ar, desceu até tocar com a testa larga nos ladrilhos vidrados — e não voltou.
Içaram-no junto às escadas de metal, isto anos antes de eu lá ter rasgado a carne do joelho direito e ouvir o Vítor Speedo dizer «salta outra vez, não é preciso curativo, o cloro desinfecta, cura». Desinfecta, e eu ainda o estou a ouvir, hoje de manhã e neste instante em que olho para a cicatriz que ficou e penso no Quim — cura.
Pousaram-no, insuflavam-lhe o peito, ao Quim. Alguns de nós ainda a correr, desapercebidos, quer dizer, não, não desapercebidos: víamo-lo deitado e puxado e não abria os olhos e havia um rapaz que lhe soprava para dentro, dobrado sobre ele, com as bochechas tal qual as nossas a encher um balão. A Dona Lucinda, que vinha ajudar a guardar-nos, gritou «acabou-se a brincadeira!» Não desapercebidos.
Depois há um clarão, e não sei quanto tempo passado ambulâncias e nós cá fora, o bando da primeira classe sob um céu encoberto, expulsos, obrigados a ficar junto à piscina dos pequeninos. Foi ali que Sofia e Sílvia prestaram esclarecimentos à Rádio Voz, muito explicadas nos seus seis anos, disputando o microfone do repórter, enquanto eu, sentada na borda da piscina seca, batia com o pé na superfície rugosa, empenhada em acabar com uma lasca de tinta solta, empenhadíssima.
Rodei o pescoço e voltei a olhar. O Quim já estava noutro sítio qualquer.